Transformações do trabalho demandam garantia de direitos, dizem especialistas
O
papel do trabalho na sociedade contemporânea passa por transformações
significativas, impulsionadas principalmente pelas tecnologias de informação e
comunicação e pela crescente flexibilização das relações trabalhistas. Tais
mudanças demandam novas formas de governança com vistas a garantir o
trabalho decente para todas e todos nas próximas décadas.
Essa
foi a conclusão de pesquisadores e especialistas reunidos na quinta-feira
(18/05) no Rio de Janeiro para o 4º Diálogo Nacional sobre o Futuro do Trabalho, promovido pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com o Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Para
Peter Poschen, diretor do escritório da OIT no Brasil, a evolução da tecnologia
e do comércio mundial geraram novas formas de produção, alteraram a
configuração da população ativa dos países e criaram novos modelos de negócios.
“Isso também tem repercussão imediata no mercado de trabalho, tanto na oferta e
demanda de emprego, como na estabilidade desse emprego, nas qualificações
necessárias”, disse Poschen em entrevista ao Centro de Informação das Nações
Unidas (UNIC Rio) durante o evento.
Segundo
ele, a percepção dos jovens em relação ao trabalho também mudou, enquanto as
fronteiras entre vida pessoal e trabalho tornaram-se menos evidentes para a
grande massa de trabalhadores. “Como o mercado de trabalho é a base dos
sistemas atuais de seguridade social, as repercussões são de âmbito não só do
mundo do trabalho, como também econômicos, sociais e de desenvolvimento”,
completou.
Poschen
lembrou que tais alterações demandam discussões sobre qual governança do
trabalho será necessária para garantir uma maior justiça social e emprego
decente para todos e todas, em linha com o Objetivo do Desenvolvimento
Sustentável (ODS) número 8. Atualmente, o desemprego atinge mais de 200 milhões de pessoas no mundo, lembrou. “O
trabalho continua sendo a fonte de todo o valor gerado, do crescimento dos bens
de serviços disponíveis para as pessoas. Quais são as regras desse novo mundo
trabalho? Quais são os atores que colocam as regras, definem as regras, fazem
cumprir essas regras, quem negocia esses acordos com a autoridade e
representatividade necessária?”, questionou.
Recentemente,
o diretor-geral da OIT, Guy Ryder, lançou a Iniciativa do
Centenário sobre o Futuro do Trabalho, que tem como objetivo
justamente envolver a estrutura tripartite da OIT numa ampla discussão sobre o
assunto, incluindo academia, sociedade civil e outros atores relevantes e
interessados.
Os
Estados-membros da OIT foram convidados a organizar diálogos nacionais, e seus
resultados serão encaminhados ao comitê de alto nível da agência sobre o futuro
do trabalho e para a Conferência Internacional do Trabalho de 2019, ano em que
a OIT comemorará seu centenário.
Para
a professora da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP), Maria
Cristina Cacciamali, uma das palestrantes do evento no Rio, outro fator que
tende a afetar o futuro do trabalho são as mudanças demográficas, especialmente
o envelhecimento da população. “O mundo está pouco preparado para lidar com o
envelhecimento populacional. Ainda há muito preconceito com os mais velhos,
especialmente no local de trabalho. No entanto, os idosos esperam continuar
trabalhando”, declarou.
As
desigualdades de gênero foram abordadas pela professora do Instituto de
Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Valéria Pêro,
lembrando que as mulheres brasileiras continham ganhando menos que os homens,
são mais afetadas pelo desemprego e, além da jornada de trabalho, gastam mais
tempo com afazeres domésticos.
Segundo
a professora da UFRJ, houve nos últimos anos um aumento da escolaridade média
das mulheres, assim como de sua participação no mercado de trabalho. Porém, o
diferencial de rendimento em relação aos homens que vinha diminuindo, teve recentemente
sua queda interrompida. “É necessário equalizar o custo do trabalho entre
homens e mulheres”, disse Valéria, enfatizando a necessidade de tanto o setor
público como privado adotar a licença parental.
Desafios do Brasil
Para
o diretor do escritório da OIT no Brasil, o país tem um problema estrutural de
falta de oferta de trabalho, uma vez que, tradicionalmente, os níveis de
desemprego sempre foram relativamente altos. Atualmente, a taxa de desocupação
brasileira está em torno de 13%.
Ele
mencionou o crescente número de trabalhadores informais, e os riscos de essa
população não ser coberta pela seguridade social. “Mesmo hoje quando se
recuperou a formalidade, há 40% da mão de obra fora do mercado formal. A
governança não chega aí, ou chega pouco. É necessário achar uma maneira de
melhorar a cobertura”, declarou.
Segundo
Poschen, a “pejotização” de trabalhadores — quando uma empresa contrata
ilegalmente um funcionário por meio de contrato com pessoa jurídica (PJ) e não
por meio de registro em carteira — retira pessoas da proteção trabalhista
e dificulta o acesso à seguridade social.
Há
também preocupação com a proteção social de trabalhadores autônomos. “O
mundo dos autônomos é muito diverso (…). Conseguir condições razoáveis para
todos esses grupos é um desafio”, completou.
A
representatividade relativamente baixa dos sindicatos brasileiros, em torno de
20%, também foi mencionada como desafio a ser abordado. Segundo a OIT, o percentual de sindicalização do Brasil está acima de
outros países da América Latina, como Chile (15%) e Colômbia (6,5%), mas fica
abaixo de países como Canadá (27%) e Dinamarca (67%).
Fluxos
migratórios
O
aumento dos fluxos migratórios no Brasil e no mundo tem tido impactos
expressivos sobre o mundo do trabalho. Na opinião do diretor do escritório da
OIT no país, caso estabelecidas as condições adequadas, esses fluxos podem
contribuir para o desenvolvimento brasileiro.
“Se
conseguirmos colocar as condições adequadas, a migração é uma oportunidade
tanto para os próprios migrantes, para os países que vão recebê-los e para os
países de origem. Muitos (países de origem) têm repatriação (de recursos)
importante, que contribuem em alguns casos com 10% do PIB”, declarou.
“Os
migrantes podem preencher brechas na disponibilidade de mão de obra no mercado
de trabalho. No Brasil, isso poderia ser uma oportunidade importante mais para
frente, porque a população brasileira está envelhecendo rapidamente.”
Ele elogiou a
nova Lei de Migração, aprovada pelo Congresso e que aguarda sanção
presidencial. De acordo com Poschen, a lei evita que o migrante não declarado
seja exposto a abusos e explorações como trabalho escravo.
“Essa
possibilidade de acolher o migrante, de legalizá-lo, oferecer uma inserção no
país e na economia, acreditamos ser muito positiva, e esperamos que a lei seja
sancionada pelo presidente”, concluiu.
Fonte: ONU Brasil