Salário mínimo só com correção da inflação corrói poder de compra, afirma economista
O salário mínimo atual no Brasil é de R$ 998, valor abaixo do aprovado pelo Congresso para o ano de 2019, de R$ 1.006. A diminuição ocorreu porque uma das primeiras medidas da equipe do atual governo, no início do ano, foi quebrar com a política chamada de “aumentos reais” criada em 2007, que leva em conta não somente a inflação do ano para o cálculo do salário, mas também o quanto ele precisaria aumentar para a população não perder seu poder de compra e ter o dinheiro valorizado.
Associada ao maior consumo da população, a política do salário mínimo iniciada em 2007, foi responsável também por ajudar a aquecer a economia. Se o salário mínimo tivesse sido ajustado nos últimos anos somente baseado na inflação, o valor atual seria de R$ 573,00.
Em conversa com Guilherme Henrique, durante o Programa Brasil de Fato, a economista da UNICAMP Iriana Cadó fala sobre medida adotada pelo atual governo e o que isso significa na vida dos trabalhadores brasileiros.
Brasil de Fato: O que significa na prática o aumento baseado apenas na inflação, acabando com a política o aumento real do salário mínimo?
Iriana Cadó: Na prática, o impacto mais visível e significativo é, sem dúvida, o aprofundamento da pobreza e da vulnerabilidade das famílias e dos trabalhadores que vivem com o salário mínimo no Brasil. A política tal como era feita não só aumentava a partir da taxa da inflação, de acordo com o índice nacional de preços, mas aumentava acima da inflação pelo índice de crescimento do PIB dos dois anos anteriores. Ou seja, isso significa o incremento do poder de compra real das pessoas.
O salário então não era só reajustado para repor o aumento dos preços em geral, mas também aumentava o montante disponível para consumo dessas famílias, o que possibilitava o aumento das demandas por outros produtos. Então, ao não renovar essa política, esse pacto corrói o poder de compra dessas pessoas que já vivem no limite das condições básicas de sobrevivência. Porque viver hoje no Brasil, com um salário mínimo, a gente sabe que é bastante dificultoso. E cerca de 40% da população do Brasil vive com um salário mínimo e isso não só a população ativa do mercado de trabalho, mas população que depende de benefícios e políticas sociais do âmbito da seguridade social. Porque pensões, aposentadorias e benefícios de prestação continuada hoje são referenciados pelo reajuste do salário mínimo. Então, impacta diretamente a população mais pobre e vai na contramão do processo da diminuição da desigualdade social e redistribuição de renda.
Brasil de Fato: Sobre o poder de compra, você pode falar um pouco mais isso? Ao mesmo tempo que a pessoa perde o poder de compra, a economia permanece estagnada. Qual o impacto nesse setor então?
Iriana Cadó: Isso aí é um ponto crucial. A gente vê a política de valorização do salário mínimo como um aspecto importantíssimo do crescimento econômico dos anos 2000. Porque na contramão do que dizem muitos economistas de que a valorização do salário mínimo geraria desemprego, porque se tornaria o custo do trabalho muito oneroso pros empregadores, a gente viu que foi justamente o contrário. Aumentar o poder de compra das famílias, essas famílias demandam produtos, o que estimula o investimento. Ao estimular o investimento, gera empregos, formalização e empresas, consolidação de comércio, lojas e aumenta o emprego, sobretudo o emprego formal como vimos nos anos 2000.
Ao diminuir o poder aquisitivo dessas famílias, a gente desaquece a economia, desestimula os investimentos. Tanto é que a gente vê que em 2015 um aspecto que agravou a recessão econômica foi justamente a diminuição dos consumos das famílias, porque a alta taxa de desemprego fez com que essas famílias não tivessem condições de consumir. O que gerou o que vimos na prática que foi o fechamento de diversas empresas, comércios e serviços. Então impacta diretamente a economia e, ao que temos visto, promete inclusive aprofundar esse aspecto de recessão e crise econômica que a gente tem vivido.
Brasil de Fato: Sobre outros benefício vinculados aos salário mínimo, você pode falar um pouco mais sobre isso?
Iriana Cadó: As pessoas que dependem dos benefícios, sobretudo de prestação continuada, são pessoas que vivem hoje no Brasil em situação de extrema miséria. E, na verdade, as propostas têm sido também no sentido de desvincular as políticas sociais do salário mínimo. Isso aumenta ainda mais a situação de pobreza e vulnerabilidade dessa população. Às vezes, uma família de 4 pessoas depende da íntegra deste salário que já não é muito, R$998 hoje no Brasil não é muito. E aí, só a título de curiosidade, tem um estudo do DIEESE que diz que, sem a política de valorização do salário mínimo, hoje o salário mínimo seria de R$ 573,00, ou seja, impossível viver no Brasil hoje com o salário desse montante.
Fonte: Brasil de Fato