Parlamentares-patrões conduziram mudanças trabalhistas
Na
semana anterior à votação da proposta de terceirização na Câmara dos Deputados,
uma empresa do deputado federal Laércio Oliveira (SD-SE), relator do projeto,
era alvo de mais de um processo na Justiça do Trabalho de Sergipe. O deputado é
dono de duas empresas de terceirização que prestam serviços de vigilância e de
limpeza. No dia 16 de março passado, a Franca – Serviços de Vigilância e
Segurança Patrimonial – passou a responder a mais um processo trabalhista – a
empresa acumula dezenas de ações do tipo e já foi condenada a pagar horas
extras, feriados trabalhados e intervalo para refeição de funcionários. São
direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e
relativizados pela lei da terceirização, de acordo com centrais sindicais e movimentos
sociais que se mobilizaram contra a proposta, por fim aprovada no dia 22 de
março e sancionada pelo presidente Michel Temer no dia 31.
“Não
precisa estar escrito na lei”, afirmou Laércio Oliveira, relator do projeto, ao
defendê-lo na Câmara. O dono da Franca garante que a terceirização – que sempre
foi bandeira de seu mandato parlamentar – não vai prejudicar esses direitos,
alegando que já é praxe as contratantes exigirem os comprovantes de pagamentos
dos direitos trabalhistas antes de quitar a fatura das empresas contratadas.
Oliveira, ex-membro da Câmara Brasileira de Serviços Terceirizados, é
atualmente presidente da Federação do Comércio de Bens e Serviços e Turismo em
Sergipe e vice-presidente da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços
e Turismo.
Dos
232 parlamentares que aprovaram o Projeto de Lei 4.302/1998, 193 são patrões de
acordo com um levantamento feito pela Pública a partir do cruzamento de bens
dos políticos entregue em suas declarações ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
com as informações da Receita Federal. Pouco mais da metade deles – 125
deputados – são sócios, administradores ou donos de algum negócio; os outros 68
se declaram empresários e administradores de empresas, mas não possuem firmas
em seus nomes. Entre os empreendimentos registrados em nome de políticos estão
construtoras, clínicas médicas, escolas técnicas, de ensino superior, de
educação infantil, empresas de transporte, comércio, hotelaria, postos de
gasolina. A reportagem identificou também que algumas empresas estão
registradas em nome de seus filhos e de suas companheiras. É o caso, por
exemplo, do deputado mineiro Aelton Freitas (PR). Ele declarou à Justiça
Eleitoral, em 2014, possuir duas empresas, a Ouro Velho Empreendimentos e
Participações e a Agropecuária Gavião. Atualmente, os sócios delas são a mulher
e os filhos do parlamentar (clique aqui para ver a planilha com os dados dos deputados).
Se
há controvérsias sobre o que significará para os trabalhadores a ampliação da
terceirização para todas as áreas (atividade-fim e atividade-meio), uma antiga
pauta do patronato brasileiro, não há dúvidas sobre o benefícios para os
empresários. De acordo com a Sondagem Especial sobre terceirização realizada
pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), no ano passado, portanto antes
da nova lei, 84% das empresas já planejavam manter ou aumentar a utilização de
serviços terceirizados nos próximos anos, tendo como principal motivo a redução
de custos, citada por 88,9% dos entrevistados.
“Na
verdade, o custo menor é resultado da otimização do processo produtivo, que
implica em ganhos de eficiência, melhor aproveitamento de insumos e ganhos de
escala no processo fabril”, justifica a CNI, negando que a redução de custos
venha do corte de salários e benefícios trabalhistas. Os trabalhadores
contestam com o estudo “Terceirização e Desenvolvimento – uma conta que não
fecha”, realizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo
Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
De acordo com os dados do estudo, coletados em 2014, os terceirizados recebem
salários 25% menores e ocupam os postos de trabalho mais precários e arriscados
que os trabalhadores registrados pela contratante, sendo vítimas de oito em
cada dez acidentes de trabalho.
Entre
os parlamentares favoráveis à proposta de terceirização, 13 são donos de
construtoras e outros 17, de incorporadoras de empreendimentos imobiliários. O
comércio, no entanto, é o principal negócio desses parlamentares – 47 têm
comércios varejistas e atacadistas. Alguns também são representantes de
entidades empresariais, como o deputado relator do projeto. Dono da Construtora
Corte Real & Cia., que participou de grandes obras, como a Refinaria Abreu
e Lima, o deputado Jorge Côrte Real (PTB-BA) também é membro titular da
Federação das Indústrias de Pernambuco, presidida por ele durante 12 anos, e
vice-presidente da CNI. Empresário do ramo de transporte, o deputado Remídio
Monai é presidente do Sindicato das Empresas de Ônibus de Roraima. Já o
deputado Abel Mesquita Jr., dono de uma rede de postos de gasolina no seu
estado, é presidente do Sindicato dos Donos de Postos de Combustíveis de
Roraima.
O
deputado com maior patrimônio declarado à Justiça Eleitoral, parte dele
proveniente de oito empresas no valor de R$ 108,5 milhões, é Alfredo Kaefer
(PSL-PR). Em seu pronunciamento na Câmara, ele discursou a favor da
terceirização: “Os desempregados de hoje irão parabenizar os deputados e dizer
o seguinte: graças à aprovação desta terceirização, de deputados que estão
sendo defenestrados, eu arrumei uma vaga de trabalho, consegui o meu santo e
sagrado emprego para sustentação da minha família” – e voltou ao microfone para
solicitar à Mesa a extensão do prazo para a entrega de emendas da reforma
trabalhista, explicando que era subescritor de várias por indicação da CNI. Seu
pedido foi acatado mesmo com o prazo vencido. Na mesma sessão, também discursou
a favor da proposta o líder do governo Temer, Aguinaldo Ribeiro (PP-PR), dono
de um posto de gasolina de acordo com a Receita Federal, e de mais três
empresas – uma construtora, uma holding e uma rádio – de acordo com sua
declaração de 2014 à Justiça Eleitoral –, atualmente em nome da mulher.
“Precisamos modernizar essa relação, e é isso que nós estamos tentando fazer, é
avançar em uma relação que não tira o emprego de ninguém, que vai preservar
emprego, é avançar em uma relação que não vai também enfraquecer sindicato. Não
é essa a compreensão deste instante. Os sindicatos também vão se modernizar,
vão se adaptar à nova realidade em que vivemos”, defendeu o
parlamentar-empresário.
O
deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), empresário do ramo de indústria e
comércio; o deputado federal do Rio de Janeiro Júlio Lopes (PP), que possui
seis empresas registradas em seu nome (do setor de comércio, holding e
consultoria); e o deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), dono de uma
incorporadora de empreendimentos imobiliários, mantiveram o discurso de que a
lei da terceirização representa um avanço para o país. “Nós hoje estamos dando
um passo na direção da luz, na direção da civilização, na direção de termos
finalmente condições ideais para termos produtividade e crescimento econômico”,
disse. Relator da reforma trabalhista, o parlamentar é investigado pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) por suspeita de envolvimento com uma empresa
terceirizada que teria coagido funcionários demitidos a renunciar às verbas
rescisórias e a devolver a multa do Fundo de Garantia.
Dos
296 políticos que se posicionaram a favor da reforma trabalhista aprovada na
Câmara em 27 de abril, 55% (163) são empresários, e a maioria também votou a
favor da terceirização. A reforma prevê a prevalência dos acordos coletivos em
relação à lei em pontos específicos, algumas garantias ao trabalhador
terceirizado e o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. O documento
cria ainda duas modalidades de contratação: a de trabalho intermitente, por
jornada ou hora de serviço, e também o home office. O texto da
reforma trabalhista seria apreciado anteontem pelo Senado, mas depois de
debates acalorados – que culminaram com uma briga entre o senadores Randolfe
Rodrigues (Rede-AP) e Ataídes Oliveira (PSDB-TO) – a tramitação foi
interrompida. Agora o projeto ainda precisa passar por duas comissões antes de
voltar para a votação no plenário.
TERCEIRIZAÇÃO NO SERVIÇO PÚBLICO
De
acordo com a nova lei, a terceirização das atividades-fim também poderá
acontecer no serviço público, com exceção das atividades essenciais ao Estado,
como Judiciário e polícia. A norma, no entanto, abre brechas para terceirização
de setores do funcionalismo, como, por exemplo, escolas, hospitais e
atendimento ao público. A nova lei também autoriza a terceirizada a
subcontratar outra empresa para serviços de contratação, remuneração e direção
do trabalho – o que é chamado de “quarteirização”.
Menos
de dois meses após a entrada em vigor, os excessos já começam a aparecer. Em
Angelina, na Grande Florianópolis, o prefeito, Gilberto Dorigon (PMDB), abriu
licitação para contratar professor de educação física por meio de lance de
menor preço. A oferta era de carga horária de 20 horas e salário máximo de R$
1,2 mil. A licitação foi cancelada após a repercussão negativa do caso. “Como a
legislação ainda é muito recente, ainda não deu para medir o impacto dela, mas
o caso de Angelina já é escandaloso”, comentou a secretária de Relações do
Trabalho da CUT, Graça Costa. Quatro dias depois de o presidente ter sancionado
a lei, uma empresa terceirizada de Marília, no interior de São Paulo, abriu
vagas para professores. A vaga foi anunciada no Posto de Atendimento ao
Trabalhador (PAT) do município.
Na
saúde, a terceirização já está disseminada nos municípios brasileiros. Em
fevereiro do ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou diversas
auditorias, nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro,
Paraná, Maranhão e Bahia, para avaliar a regularidade de ajustes firmados pelos
governos municipais com entidades privadas para contratação de profissionais de
saúde com recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS). Foram
identificadas contratações de mão de obra por meio de outros diversos tipos de
instrumentos, como contratos de gestão com Organizações Sociais (OS), termos de
parceria com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e
convênios com entidades sem fins lucrativos. O TCU verificou também a
realização de contratos administrativos celebrados com entidades privadas de
serviços médicos e com cooperativas, além do credenciamento de pessoas físicas
e jurídicas.
Durante
a fiscalização, o Tribunal de Contas identificou alguns indícios de
irregularidades. Entre elas, o pagamento do profissional de saúde terceirizado
sem o acompanhamento da frequência, “o que impossibilita atestar a efetiva
execução dos serviços”, alertou o órgão. “Em muitos casos, sequer houve
designação formal do representante da administração para fiscalizar o convênio
ou contrato”, acrescentou.
Fonte: Pública
Texto: Alice Maciel