NOTA TÉCNICA: Projeto de lei que altera conceito de trabalho escravo é um retrocesso social, afirma MPF
Na semana marcada pelo Dia
Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, comemorado em 28 de janeiro, a Câmara
Criminal do Ministério Público Federal (2CCR/MPF) divulga nota técnica que
alerta para os riscos de alteração do conceito de trabalho escravo, prevista no
Projeto de Lei do Senado nº 432/2013. Segundo a nota, as mudanças geram
consequências negativas para a repressão aos exploradores de mão de obra
escrava no Brasil.
O projeto de lei visa regulamentar a Emenda Constitucional n. 81, que prevê a
expropriação dos imóveis onde for verificada a exploração de trabalho escravo,
além do confisco de qualquer bem de valor econômico produzido por meio da
exploração dessa força de trabalho.
Um dos principais retrocessos apontados pelo MPF é a tentativa de exclusão das
modalidades “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” do
conceito de trabalho escravo, previsto no Código Penal (artigo
149). Assim, para caracterizar a infração penal, restariam apenas outras duas
hipóteses: trabalho forçado e servidão por dívidas, que são relacionadas apenas
à privação de liberdade física do trabalho.
No entendimento da Câmara Criminal, a alteração representa “enorme retrocesso
social, isso porque retiraria da conceituação do trabalho escravo suas formas
modernas, relegando-o à figura clássica da escravidão exclusivamente como
restrição à liberdade ambulatória”. Além disso, “mutila pela metade o conceito
de trabalho escravo” e diminui a proteção efetiva da “dignidade da pessoa
humana”, avalia o MPF.
Outro prejuízo previsto na proposta legislativa é que a expropriação deverá
aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Segundo a Câmara
Criminal, o dispositivo abre espaço para que o cidadão seja condenado
penalmente por trabalho escravo na modalidade trabalho degradante ou jornada
exaustiva, mas não esteja sujeito à expropriação.
A nota indica também como ponto problemático da proposta do Senado a previsão
de que “o proprietário deve explorar diretamente o trabalho escravo para estar
sujeito ao confisco de sua propriedade.” Entretanto, o que se constata na
apuração da maioria dos casos de exploração de trabalho escravo, segundo o MPF,
é a existência de um terceiro, intermediador do proprietário, que administra o
negócio e lida diretamente com os trabalhadores escravizados. O proprietário,
por sua vez, tem conhecimento e se beneficia da exploração.
Dessa forma, exigir a exploração
direta “equivaleria a ceifar a eficácia repressiva da norma penal. Não haveria
expropriação de terras usadas para o trabalho escravo e acabaria qualquer
eficácia do art. 243 da Constituição Federal”, conclui a nota técnica.
LEGISLAÇÃO AVANÇADA
O atual conceito de trabalho
escravo é considerado referência no combate às formas contemporâneas de
escravidão pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), além de estar de
acordo com as Convenções 29 e 105 das Nações Unidas sobre Escravatura. As
expressões “jornada exaustiva” e “condições degradantes de trabalho” foram
introduzidas pela Lei Federal nº 10.803/2003, que
modernizou a repressão à escravidão contemporânea no Brasil.
Nesse contexto, a nota destaca
que o projeto é frontalmente contrário aos precedentes do Supremo Tribunal
Federal (STF) sobre trabalho escravo. A Suprema Corte firmou, por mais de uma
vez, que os elementos “jornada exaustiva” e “condições degradantes” são
integrantes do tipo penal, sendo inclusive desnecessária a presença de uma
coação direta contra a liberdade de ir e vir.
FONTE: Ministério Público Federal