FLEXIBILIZAÇÕES: Reforma da previdência não põe fim a privilégios de algumas categorias
O
discurso de que a reforma da Previdência trata todos os trabalhadores de igual
para igual foi colocado em xeque, segundo economistas, principalmente depois
das últimas flexibilizações acordadas entre o governo e o relator, deputado
Arthur Oliveira Maia (PPS-BA). Uma série de categorias continuará a ser
privilegiada com regras mais brandas, como políticos e servidores públicos. Em
diferentes ocasiões, o relator e representantes do governo têm destacado pontos
que serão comuns à maioria dos brasileiros caso a proposta seja aprovada pelo
Congresso, como a limitação do valor da aposentadoria ao teto do INSS (R$
5.531,31). Mas outros aspectos da reforma não se aplicam de fato a todos.
Um
deles é a regra de transição. Embora a reforma preveja que os políticos
seguirão as mesmas exigências de idade mínima de 65 anos e tempo mínimo de
contribuição de 25 anos, isso só valerá para os novos eleitos. Para conduzir os
que hoje exercem mandato ao novo modelo, o texto diz que os próprios políticos
deverão propor e aprovar sua regra de transição, só que não há prazo para isso.
Até lá, eles continuam com as regras atuais: 35 anos de contribuição e 60 anos de
idade.
“O
governo deixou muito solto. Ficou muito no simbólico, talvez mais para discurso
do que uma coisa realmente estruturada”, diz um economista na condição de
anonimato. “O texto também é muito silente em relação a acúmulo de benefícios
por políticos. Não vejo o texto sendo autoaplicável a eles, teria de ter alguma
interpretação judicial.”
Nos
últimos dias, o relator também lançou a ideia de permitir que os políticos
tenham um plano de previdência complementar, assim como os servidores. A
iniciativa exigiria que a União pagasse contribuição igual à do beneficiário,
de até 8,5% sobre a parcela do salário que está acima do teto do INSS. Hoje,
nenhum funcionário que exerça cargo de confiança ou político pode aderir a
fundo de previdência complementar patrocinado pelo governo.
SERVIDORES
Após
um lobby intenso de professores e policiais civis e federais, que hoje têm
regras especiais de aposentadoria, o governo e o relator desistiram de
igualá-los aos demais trabalhadores. Com isso, eles terão de cumprir idade
mínima menor, de 60 anos. O argumento oficial é que outros países mantêm a
diferenciação para essas profissões, mas a decisão implica retirar do texto a
proibição de qualquer caracterização de exigências por categoria.
“Isso,
do meu ponto de vista, não é um demérito do governo, mas sim da sociedade”, diz
o economista Paulo Tafner, do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada
(Ipea). “Em todas as áreas, tudo o que se ouve é ‘queremos reduzir
desigualdade’. A hora que tem uma proposta com enorme igualdade de tratamento,
o que acontece? Grupos organizados dizem ‘queremos igualdade sim, mas para os
outros’. Trata-se, do meu ponto de vista, de uma esquizofrenia social.”
A
economista Ana Carla Abrão, ex-secretária de Fazenda de Goiás e filha da
senadora Lúcia Vânia (PSB-GO), também acredita que o regime previdenciário
brasileiro precisa ser mais justo do ponto de vista social. Ela, que é contra a
diferenciação de idade mínima entre homens e mulheres, defende a unificação das
regras. “Há privilégios que tornam a Previdência regressiva, ou seja, ela
beneficia os mais ricos em detrimento dos mais pobres. Isso tem de mudar.”
A
retirada dos servidores estaduais e municipais da reforma da Previdência também
foi vista como manutenção de privilégios, além de privar os Estados de uma
solução para suas finanças. A medida, anunciada como sinal de respeito à
autonomia federativa, é considerada uma “excrescência” por técnicos estaduais e
economistas. Ninguém garante que os Legislativos aprovarão as regras de
aposentadoria nos Estados – a solução seria o relator fixar um prazo para isso,
que certamente expiraria e resultaria na extensão das regras da União a todos.
O
temor é que eles acabem cristalizando seus privilégios e desidratem ainda mais
a reforma da Previdência.
Fonte:
http://www.diariodopoder.com.br