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Diap: MP trabalhista prejudica trabalhador para atender a interesse patronal

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Medida Provisória (MP) 905 surgiu “sem discussão com nenhuma representação dos trabalhadores, e visa atender ao interesse do mercado, ampliando facilidades, flexibilizando direitos e assegurando melhor condição de lucratividade, a pretexto de dinamizar a economia”, diz o advogado e consultor legislativo Luiz Alberto dos Santos, técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Em nota técnica, ele analisa a MP 905, criada sob a justificativa de facilitar a contratação de jovens (de 18 a 29 anos), mas que segue a lógica do rebaixamento de direitos, aprofundando iniciativas como a “reforma” trabalhista e o projeto da “liberdade econômica”, além de ter inconstitucionalidades no conteúdo.
Na análise, Santos cita um artigo que permite pagamento parcelado do 13º e das férias proporcionais, o que segundo ele pode levar a “arranjos perversos”, pelos quais o empregador pode considerar os adiantamentos no total a ser pago no mês. Dessa forma, em vez de pagar 1,5 salário mínimo – limite previsto na MP –, ele poderia ser “tentado” a oferecer 1,3 mais as parcelas adiantadas, que corresponderiam a 11% de acréscimo. “Trata-se, assim, de artifício para promover o achatamento remuneratório e a supressão disfarçada de direitos.”
Em outro artigo, a multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) cai pela metade, de 40% para 20%. Além de fraude à Constituição, a multa reduzida “tem o fim nefasto de baratear a demissão do trabalhador, em afronta à isonomia”. O técnico do Diap cita o artigo 7º da Constituição, que veda “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.
O consultor comenta a criação de uma contribuição previdenciária para quem recebe seguro-desemprego. “Além da redução da renda de quem já está em situação de desvantagem, pois não recebe salário, mas prestação social, a medida desnatura o caráter dessa renda provisória, submetendo-a a uma tributação indevida à luz da própria Constituição”, afirma. “Situação equivalente seria taxar o aposentado, o beneficiário do BPC e os que recebem o Programa Bolsa Família, revelando sanha arrecadatória que não se coaduna com a situação de vulnerabilidade desses cidadãos.”
Confira a íntegra do documento:

NOTA TÉCNICA
Assunto: Medida Provisória 905, que “Institui o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, altera a legislação trabalhista, e dá outras providências.”
Em 11 de novembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória 905, que institui a “Carteira Verde e Amarela”, nova modalidade de contratação de trabalhadores, destinada à criação de novos postos de trabalho para as pessoas entre 18 e 29 anos de idade, para fins de registro do 1º emprego, com Carteira de Trabalho e Previdência Social.
A promessa do governo é, com essa medida, promover a contratação de 4 milhões de jovens e reduzir a taxa de desemprego de mais de 12% para 10%, e reduzir a informalidade. Segundo o próprio governo, a taxa de desocupação entre jovens chega a ser de 20,8%, totalizando 5,7 milhões de jovens na faixa etária a ser coberta.
A gravidade da situação no mercado de trabalho, com efeito, reclama medidas urgentes, que não apenas promovam a inserção de jovens, mas igualmente de adultos e pessoas com maior idade, que são as que enfrentam, como os jovens, a maior taxa de desocupação.
Para esse fim, foi estruturado um conjunto de medidas para permitir a redução de custos para as empresas que contratarem jovens nessa faixa de idade, mas, além das medidas vinculadas ao Contrato Verde e Amarelo, a MP 905 promove uma “complementação” da Lei da Liberdade Econômica e da Reforma Trabalhista, e já antecipa, inclusive, medidas para a regulamentação da Emenda Constitucional 103, a “Reforma da Previdência”, com a supressão de direitos ou dificultação de acesso aos mesmos.
Porém, a MP 905, como tem sido a praxe no atual governo, foi adotada sem discussão com nenhuma representação dos trabalhadores, e visa atender ao interesse do mercado, ampliando facilidades, flexibilizando direitos e assegurando melhor condição de lucratividade, a pretexto de dinamizar a economia.
A abordagem tecnocrático-fiscalista pró-mercado se mostra presente, mais uma vez, produzindo uma peça legislativa que não apenas incorre em inconstitucionalidades, mas é de grande complexidade e alcance, modificando diversas leis de uma só vez e misturando temas distintos, visando à produção de fatos consumados e dificultando o debate.
A seguir descrevermos os principais aspectos da MP 905, que demandarão, em sua maioria, emendas supressivas ou modificativas para correção ou atenuação.

1) CARTEIRA VERDE E AMARELA
A proposta de criação de incentivos para a contratação de jovens guarda grande similaridade, quanto aos objetivos, com o programa Primeiro Emprego, lançado em 2003, pelo presidente Lula.
A diferença quanto à clientela está na extensão do novo programa a jovens de até 29 anos, observando assim o conceito de jovem do Estatuto da Juventude.
No Primeiro Emprego, havia corte de renda familiar, além da exigência de o jovem não ter vínculo empregatício anterior e estar matriculado em estabelecimento de ensino. No novo programa, essas regras não são previstas.
Embora o caput do art. 1º refira-se a “registro do primeiro emprego” não há nenhuma restrição expressa, a que pessoas que já tenham sido empregadas sejam contratadas pelo programa, diversamente do Programa Primeiro Emprego, como previsto na Lei 10.748, de 2003.
A redação do exclui para fins de caracterização de primeiro emprego formas de trabalho precário ou intermitente, ou contrato de aprendizagem ou de experiência.

A redação, porém, é confusa, pois dá margem a 2 interpretações:
1) que para ser contratado para o “primeiro emprego” não serão considerados vínculos anteriores a título de aprendizagem, experiência, ou trabalho intermitente, ou avulso; ou
2) que, para os fins do programa, não serão admitidas essas formas de contratação. Essas somente serão consideradas para vínculos fora do programa.
A segunda interpretação, contudo, parece a que melhor reflete a concepção adotada, à luz da experiência do Programa Primeiro Emprego, tanto que a expressão “menor aprendiz” só se aplicaria a menores de 18 anos, enquanto a Carteira Verde e Amarela somente admite jovens acima de 18 anos.
A contratação dar-se-á para ocupação de “novos” postos de trabalho, considerada a média do total de empregados registrados na folha de pagamentos entre 1º de janeiro e 31 de outubro de 2019. Assim, para cada empresa deverá ser feita a apuração do número de vínculos empregatícios mês a mês, no seu total, e calculada a média. Sobre essa média é que será aferido se o posto de trabalho é “novo” ou não. Imaginando-se uma empresa que tenha demitido trabalhadores, e tenha em 31 de outubro de 2019, 20 empregados, mas cuja média seja de 25, somente após atingir essa média é que a empresa poderia contratar pelo Contrato Verde e Amarelo.
Todavia, se a empresa tinha, em outubro de 2018, 100 empregados, e tem, em outubro de 2019, 70 empregados, mas sua média no ano de 2019 seja, por exemplo, 80 empregados, poderia contratar pelo Contrato Verde e Amarelo, ainda que esteja com seu quadro de pessoal abaixo da média do ano.
Cada empresa poderá alcançar até 20% o total de empregados da empresa sob o Contrato Verde Amarelo. O §2º do art. 2º contempla situação análoga à prevista no Primeiro Emprego, que permitia a contratação de 1 empregado jovem em empresas com até 4 empregados (25%); ou até 2, no caso de empresas com 5 a 10 empregados, ou seja, poderia chegar a 40% no caso de empresas com 5 empregados. Trabalhadores demitidos não poderão ser recontratados sob essa modalidade e não poderão ser admitidos pela nova modalidade, exceto após 180 dias da dispensa.
Os contratos vigorarão por 24 meses, e em caso de interrupção, não será devida a indenização equivalente a metade dos salários. Ou seja, é um contrato temporário, mas sem a proteção a essa espécie de contrato. O empregador, por sua vez, não terá incentivo a tornar permanente esse empregado, sob pena de perda dos benefícios fiscais.
O salário será limitado a 1,5 SM, o que indica que o programa está focado, efetivamente, em população de baixa renda, com pouca ou nenhuma experiência prévia, e menor qualificação. Com essa limitação, jovens formados em curso superior, com pretensões salariais mais elevadas, estariam excluídos. Caso o trabalhador venha a receber aumento no período de vigência do contrato que supere o limite, o benefício ao empregador permanecerá limitado ao valor calculado com base no salário-limite.
O art. 6º permite, mediante acordo, que o empregador pague parceladamente o 13º e as férias proporcionais. A medida pode ter o efeito de atenuar o desembolso do empregador no momento da extinção do contrato, mas, por outro lado, também pode levar a “arranjos” perversos, em que o empregador, ao fixar o salário mensal, já considere no seu total o valor dos adiantamentos.
Assim, em lugar de pagar 1,5 SM, poderá ser tentado a oferecer 1,3 SM e as parcelas “adiantadas”, ou que corresponderia a cerca de 11% de acréscimo mensal, totalizando os 1,5 SM, aproximadamente. Trata-se, assim, de artifício para promover o achatamento remuneratório e a supressão disfarçada de direitos.
A MP também permite que haja parcelamento da multa rescisória sobre o saldo do FGTS. O mesmo raciocínio antes referido pode ser aplicado a esse caso, embutindo-a no cálculo do salário contratado.
Solução similar já foi adotada na regulamentação do trabalho doméstico, de modo a evitar que o empregador não tenha recurso para o pagamento da multa sobre o saldo da conta vinculada. Trata-se, todavia, de situação diferente.
O § 2º do art. 6º reduz a multa do FGTS de 40% para 20% no caso de trabalhadores sob contrato Verde e Amarelo. Assim, essa multa, mesmo reduzida, revelando fraude à Constituição, tem o fim nefasto de baratear a demissão do trabalhador, em afronta à isonomia. Com efeito, o art. 7º, XXX da CF veda a diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
O FGTS, assim como sua multa, incidem sobre o salário, e tem, assim, natureza salarial. A CF o assegura, assim como a multa sobre o saldo da conta vinculada, como direito de todos os trabalhadores, apenas dependente do valor da remuneração sobre o qual é calculado, não sendo viável, assim, essa diferenciação.
O art. 7º vai ainda além à ruptura do direito ao FGTS de forma isonômica para todos os trabalhadores, reduzindo para 2% a alíquota do FGTS, que é de 8% nos demais casos.
A natureza jurídica da contribuição para o FGTS é a de direito trabalhista, garantia de caráter institucional devida ao trabalhador, e que, por definição, deve ser isonômico, sob pena de terem-se trabalhadores de 1ª, 2ª e 3ª categorias. A previsão constitucional pressupõe o tratamento isonômico, sob pena de admitir-se, até, que lei fixe percentuais distintos por categoria profissional, por faixa etária, ou por tempo de serviço, ou se o trabalhador é ou não aposentado.
A PEC 6, em sua formulação inicial, previa que “o vínculo empregatício mantido no momento da concessão de aposentadoria voluntária não ensejará o pagamento da indenização compensatória prevista no inciso I do caput do art. 7º da Constituição, nem o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço devido a partir da concessão da aposentadoria.” Essa proposta, por absurda, foi rejeitada na própria comissão especial, na Câmara dos Deputados.
No que toca aos benefícios ao empregador, a proposta isenta a contribuição de 20% sobre o salário do empregado, no caso de Contrato Verde e Amarelo.
Essa medida, ao fim e ao cabo, representa renúncia de receita da Previdência Social e da Seguridade, onerando o RGPS, sem previsão de sua compensação.
Também é assegurada isenção do salário-educação, que tem destinação constitucional para o custeio da educação básica (CF, art. 212, § 5º: “§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.”)
As empresas deixarão de recolher o adicional de contribuição sobre a folha desses trabalhadores para o “Sistema S”, que vão de 1% a 1,5%, e a parcela de contribuição ao Sebrae, que tem destinação específica para o apoio à micro e pequenas empresas.
A redução dessas receitas oriundas de contribuição adicional sobre a folha, em todos os casos, prejudicará a atuação das entidades, mas é mais grave o caso do Sebrae, dada a sua função de apoio a setor fundamental para a geração de empregos.
Também é dispensada a contribuição social destinada ao Incra, de 0,2% sobre o valor da folha de pagamentos dos trabalhadores urbanos e rurais, devida por empregadores rurais e urbanos, e cuja arrecadação destina-se especificamente aos programas e projetos vinculados à reforma agrária e suas atividades complementares. Assim, o Incra deixará de contar com tais recursos. Todavia, a validade desse tributo ainda é controvertida e aguarda decisão do STF no Recurso Extraordinário 630898, e o STJ decidiu que se trata de contribuição de intervenção sobre o domínio econômico. Caso o STF venha a acatar esse entendimento, a norma restará sem efeito, pois passará a incidir sobre o faturamento das empresas e não mais sobre a folha.
As renúncias fiscais foram estimadas pelo governo na EM 352/19 em R$ 10,606 bilhões, em 5 anos. Segundo a EM, essa renúncia seria compensada por meio de aumento de receita obtido com a contribuição previdenciária, que passará a ser paga pelos beneficiários do seguro-desemprego, cuja arrecadação, em cada ano, seria até mesmo superior à renúncia calculada pelo governo.

Contudo, a medida fere, simultaneamente, a LRF e a própria EC 95 (Teto de Gastos):
“Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.”
A LDO 2019 prevê, ainda que:
§ 14. As proposições de autoria do Poder Executivo que concedam ou ampliem benefícios tributários deverão estar acompanhadas de avaliação do Ministério da Fazenda quanto ao mérito e objetivos pretendidos, bem como da estimativa do impacto orçamentário e financeiro, e de sua compensação, de acordo com as condições previstas no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
§ 15. Considera-se atendida a compensação a que se refere o caput nas seguintes situações:
I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária de 2019, na forma do art. 12 da Lei de Responsabilidade Fiscal, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no Anexo IV; ou
II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.
Para atenuar essa critica, o Executivo inseriu regra no art. 53, §1º, condicionando os efeitos da MP 905 ao cumprimento dessas regras.
Trata-se de paradoxo, pois a MP deveria ser antecedida dessas demonstrações e adequações, sob pena de inadmissibilidade e descaracterização do requisito de urgência para ser editada.
E a criação de contribuição obrigatória para os segurados do seguro desemprego, como adiante se examinará, não atende a tais requisitos, posto que essa compensação não observará os critérios de equilíbrio financeiro e atuarial, dado que as contribuições vertidas pelos beneficiários do seguro desemprego serão destinadas, com efeito, a cobrir os direitos decorrentes da contagem do tempo de gozo desse benefício para fins de aposentadoria. Atualmente, tal contribuição não incide, mas o beneficiário tampouco tem direito ao cômputo desse tempo para a aposentadoria.
Com a Carteira Verde e Amarela, os trabalhadores jovens contribuirão, mas não seus empregadores, e, ao final, contarão o seu tempo de contribuição para a aposentadoria; já os beneficiários do SD também contarão o tempo, com base em suas próprias contribuições. Há evidente descompasso nessa equação.
A MP 905 também prevê que os jovens contratados com base no Contrato Verde e Amarelo terão prioridade na qualificação profissional atende à premissa de que se trata de trabalhadores de menor qualificação, com introdução no mercado de trabalho em ocupações de menor renda e complexidade.
As contratações poderão ocorrer até 31 de dezembro de 2022, e os contratos firmados poderão ser mantidos, portanto, até 31 de dezembro de 2019. Essa temporalidade cumpre o limite de 5 anos para a vigência de benefícios fiscais, estabelecida pela LDO.
Exclui do regime instituído categorias profissionais submetidas à legislação especial. Assim, estão excluídas as categorias regulamentadas, tais como: aeronautas; oficiais gráficos; aeroviários; artistas e técnicos em espetáculos de diversões; professores; profissionais de enfermagem; motoristas; secretárias; músicos profissionais; vendedores e viajantes de comércio.

1) Privatização do seguro de acidentes pessoais e Redução do Adicional de Periculosidade
O art. 15 da MP 905 autoriza o empregador a contratar seguro privado de acidentes pessoais para o empregado, mediante acordo individual.
A CLT já prevê que o seguro contra acidente de trabalho pelo empregador não pode ser objeto de acordo ou negociação coletiva. Já o seguro de vida e de acidentes pessoais, contratado pelo empregador, tem caráter de liberalidade e não integra o salário.
A proposta de que o trabalhador mediante acordo permita que seja contratado seguro de acidentes pessoais, mas com efeitos na redução de direitos pecuniários (adicional de periculosidade) subverte essa noção.
O § 3º do art. 15 reduz para 5% o adicional de periculosidade no caso do Contrato Verde e Amarelo, se o empregador contratar seguro privado, mediante acordo escrito com o empregado.
O percentual legal devido ao trabalhador é de 30% (art. 193, §1º da CLT). Portanto, haverá redução remuneratória, caso seja contratado esse seguro.
Além disso, o § 4º do art. 15 condiciona o pagamento de adicional de periculosidade à exposição for de no mínimo 50% da jornada de trabalho.
O sentido do adicional de periculosidade é o de remunerar a exposição a um risco, que, por definição, tem caráter fortuito. Trabalhador exposto a inflamáveis, explosivos ou energia elétrica, ou a roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial, pode, a qualquer momento em que esteja atuando, ser vítima de situação de risco.
A exigência de que esteja sujeito ao risco por 50% da jornada, assim, é um absurdo, além de contrária ao princípio da isonomia.
Note-se que a norma não está dirigida expressamente ao Contrato Verde e Amarelo, embora esteja posicionada no conjunto de dispositivos a ele relativos, o que poderá levar à conclusão de que se trata de regra de aplicação a todos os casos, embora permaneça em vigor o art. 193 da CLT.

2) Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho
O Art. 19 institui um Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho, com a finalidade de “financiar o serviço de habilitação e reabilitação profissional prestado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e programas e projetos de prevenção e redução de acidentes de trabalho”.
As receitas para esse programa virão de valores relativos a multas ou penalidades aplicadas em ações civis públicas trabalhistas decorrentes de descumprimento de acordo judicial ou termo de ajustamento de conduta firmado perante a União ou o Ministério Público do Trabalho, ou ainda termo de compromisso firmado perante o Ministério da Economia, observado o disposto no art. 627-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei 5.452, de 1943; valores relativos aos danos morais coletivos decorrentes de acordos judiciais ou de termo de ajustamento de conduta firmado pela União ou pelo Ministério Público do Trabalho; e valores devidos por empresas que descumprirem a reserva de cargos destinada a pessoas com de?ciência, inclusive referentes à aplicação de multas.
A gestão do programa caberá a 1 Conselho do Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes de Trabalho, composto por 10 membros, sendo 5 do governo, além de 1 do Ministério Público do Trabalho, 1 da Ordem dos Advogados do Brasil; 1 do Conselho Nacional das Pessoas com Deficiência; e 2 da sociedade civil.
Caberá ao Conselho estabelecer diretrizes para aplicação dos recursos e implementação do Programa, e promover a realização de eventos educativos ou científicos.

3) Extinção da contribuição adicional sobre o FGTS
Assim como já acolhido pelo Congresso na apreciação da MP 889, que trata do saque do FGTS, a MP 905 prevê a extinção da contribuição adicional de 10% para o FGTS criada pela Lei Complementar 110, de 2001.
Além disso, o TRF da 5ª Região no MS 0807214-32.2018.4.05.8300, acatou em dezembro de 2018 a tese de que a cobrança configura incompatibilidade constitucional com a EC 33/01. O plenário do STF aguarda oportunidade para julgar a constitucionalidade da manutenção dessa contribuição social depois de atingida a finalidade que motivou sua criação. O tema é objeto do RE 878.313, cujo relator é o ministro Marco Aurélio.
Com a revogação, estima-se que a União perderá mais de R$ 6 bilhões anuais. Em 2017, a arrecadação foi de R$ 5,2 bilhões.
No entanto essa renúncia de receita não observa o exigido pela LRF, pela LDO e pela EC 95.

4) Alterações na CLT
A MP 905 promove leque enorme de alterações à CLT. São nada menos que 135 dispositivos inseridos ou alterados na CLT. Ademais há a revogação de mais de 40 dispositivos da CLT hoje em vigor, ou em desuso. Examinaremos, a seguir, as principais alterações:

4.1) Multas trabalhistas
A MP contém amplo conjunto de regras atualizado as multas trabalhistas. São fixadas novas regras de aplicação para infrações específicas e fixada regra geral, conferindo ao Executivo competência para regulamentar a matéria e definir a aplicação das gradações de multas aos diferentes casos.
Assim, são fixados tanto no caso de multas por empresa ou per capita, valores mínimos e máximos para multas leve, média, grave ou gravíssima. Na quase totalidade dos casos, haverá elevação dos valores atuais, congelados desde 2000 em sua maioria.

4.2)Trabalho aos domingos e feriados
Como já fora tentado quando da discussão da MP 881, são promovidas alterações na CLT e demais normas correlatas (Lei 650, de 1960; Lei 10.101) para ampliar e flexibilizar o trabalho aos domingos e feriados, permitindo ainda o não pagamento da hora dobrada em caso de trabalho aos domingos, desde que haja a compensação em outro dia. A regra, porém, carece de ajustes, pois há incoerência entre as normas alteradas e desconsideração da jurisprudência do TST sobre a matéria.
Com a MP 905, fica assegurado a todo empregado repouso semanal remunerado de 24 horas consecutivas, preferencialmente aos domingos, mas é autorizado, sem limitações, o trabalho aos domingos e aos feriados. O repouso semanal remunerado deverá coincidir com o domingo, no mínimo, 1 vez no período máximo de 4 semanas para os setores de comércio e serviços e, no mínimo, 1 vez no período máximo de 7 semanas para o setor industrial.
A atual redação do art. 67 da CLT prevê que “será assegurado a todo empregado um descanso semanal de 24 (vinte e quatro) horas consecutivas, o qual, salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço, deverá coincidir com o domingo, no todo ou em parte”. Nos serviços que exijam trabalho aos domingos, será estabelecida escala de revezamento, mensalmente organizada e constando de quadro sujeito à fiscalização.
Já a atual redação do art. 68 da CLT prevê que o trabalho em domingo, seja total ou parcial, na forma do art. 67, será sempre subordinado à permissão prévia da autoridade competente em matéria de trabalho. A permissão será concedida a título permanente nas atividades que, por sua natureza ou pela conveniência pública, devem ser exercidas aos domingos; nos demais casos, essa será dada sob forma transitória, com discriminação do período autorizado.
Assim, fica amplamente flexibilizada essa garantia do trabalhador, que já está disciplinada, quanto às exceções, no caso do comércio, pela Lei 10.101, e nos demais casos pela Portaria 604/19 da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, que amplia os setores econômicos com autorização permanente para que empregados possam trabalhar aos domingos e feriados civis e religiosos, incluindo os seguintes: indústria de extração de óleos vegetais e de biodiesel, indústria do vinho e de derivados de uva, indústria aeroespacial, comércio em geral, estabelecimentos destinados ao turismo em geral e serviços de manutenção aeroespacial.
A atual redação do art. 70 da CLT trata apenas do trabalho aos feriados, dispondo sobre a sua vedação. A nova redação prevê que o trabalho aos domingos e aos feriados será remunerado em dobro, exceto se o empregador determinar outro dia de folga compensatória. Retorna, na MP 905, a proposta do relator da MP 881, que não foi acatada.
Assim, afasta a vedação de trabalho em domingos, já abordada no art. 68, e em feriados, e permite que o trabalho aos domingos e feriados seja remunerado como hora normal, desde que seja concedida folga compensatória, o que implica na redução de direitos aos trabalhadores.
Todavia, o TST vem adotando o entendimento de que é possível o não pagamento da “dobra”, se for concedida folga ao empregado nos 7 dias seguintes, ou seja, após cada 6 dias de trabalho, deve haver 1 folga, preferencialmente aos domingos, como determina o art. 7º, XV da CF.

4.3) Fiscalização do Trabalho
Com o fim de impedir a atuação da fiscalização do Trabalho, mas a pretexto de torná-la mais eficiente a MP 905 altera as normas relativas à “dupla visita orientadora”.
Além de ampliar os casos em que haverá a dupla visita, limitando a atuação do auditor-fiscal, fixa o prazo de 180 dias para a dupla visita quando houver promulgação ou expedição de novas leis, regulamentos ou instruções normativas ou no caso da primeira inspeção dos estabelecimentos ou dos locais de trabalho, recentemente inaugurados.
Insere na CLT a previsão da dupla visita no caso de micro e pequenas empresas, que já está prevista no art. 55 da LC 123, mas amplia esse critério para empresas com até 20 trabalhadores, seja ou não micro ou pequena empresa. Insere nova hipótese de dupla visita no caso de infrações de menor gravidade sobre segurança e saúde do trabalhador na forma do regulamento.
Insere, ainda, nova hipótese da dupla visita, quando se tratar de inspeção agendada com a Secretaria, ou seja, mediante solicitação da própria empresa.
Fixa prazo de 90 dias entre as visitas da “dupla visita”, a pretexto de conferir ao empregador prazo para se adequar.
Reitera o já previsto quanto aos casos em que não cabe a dupla visita, explicitando a sua não aplicação nos casos de infrações mais graves, e expressamente afasta a dupla visita no caso de ter havido acidente do trabalho fatal.
Nos casos de dupla visita, o auto de infração só será aplicado se, na segunda fiscalização, a infração permanecer.
Cria, ainda, a obrigatoriedade de planejamento das ações de inspeção do trabalho, que deverá contemplar projetos especiais de fiscalização para prevenção de acidente e doenças ocupacionais e irregularidades, por setor, conforme ato do secretário especial. E, quando houver planejamento de ação de prevenção ou saneamento, o auditor ficará dispensado de lavrar auto de infração.
Ainda que se possa vincular a medida a uma busca da eficiência ou otimização da ação fiscal, é preciso considera o risco de perda da autonomia da inspeção do trabalho. A competência deveria, assim, ser mantida no órgão nacional competente em matéria de segurança e saúde do trabalho, que é a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia.
A previsão de que haverá ações coletivas de prevenção e saneamento implica em enfraquecimento da capacidade fiscalizatória e coercitiva, limitando o poder da fiscalização.
Trata-se de medida que a pretexto de fortalecer o “caráter preventivo e de saneamento” das irregularidades, tem como resultado a mitigação do poder do Estado, medida já esboçada na Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, que trata da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.
Prevê, ainda, a possibilidade de a Inspeção do Trabalho praticar atos por meio eletrônico, assim como facilitar ao empregador a prática de atos.
Retira, ainda, da alçada do presidente da República a edição do Regulamento de Inspeção do Trabalho, ao permitir que ato do Ministério da Economia disponha sobre o procedimento especial para a ação fiscal, com o objetivo de fornecer orientações sobre o cumprimento das leis de proteção ao trabalho e sobre a prevenção e o saneamento de infrações à legislação por meio de termo de compromisso, com eficácia de título executivo extrajudicial. Essa norma, ao dispor sobre esse procedimento, poderá alcançar grande número de situações hoje sujeitas ao Regulamento da Inspeção do Trabalho.
Além disso, o art. 627-B prevê que o planejamento das ações de inspeção do trabalho deverá contemplar a elaboração de projetos especiais de fiscalização setorial para a prevenção de acidentes de trabalho, doenças ocupacionais e irregularidades trabalhistas a partir da análise dos dados de acidentalidade e adoecimento ocupacionais e do mercado de trabalho, conforme estabelecido em ato da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia.
Da mesma forma, esse “planejamento” poderá tornar sem validade o Regulamento.

4.4) Jornada de trabalho em bancos
A MP 905 altera o regime de trabalho em bancos e na Caixa, limitando o regime de 6 horas aos que operam exclusivamente no Caixa. Permite, ainda, que esses trabalhadores firmem acordo para pactuação de jornada, passando, nesse caso, os que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes ou que desempenhem outros cargos de confiança a não mais fazer jus à gratificação compensatória não inferior a 1/3 do salário. O direito à hora-extra só será pago após a 8ª hora de trabalho, dado que os demais trabalhadores não mais fariam jus à jornada de 6 horas.
Ou seja, o que hoje é um direito, que pode ser substituído pela compensação pecuniária apenas no caso de chefias, deixa de sê-lo.

4.5) Alimentação
A MP 905 introduz § 5º no art. 457, explicitando a natureza não salarial do fornecimento de alimentação ou qualquer forma de pagamento para tal fim.
Com isso, derroga o art. 458, que prevê que além do pagamento em dinheiro, compreende-se no salário, para todos os efeitos legais, a alimentação ou outras prestações “in natura” que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornecer habitualmente ao empregado.
Com isso, abre espaço a que as empresas aumentem o valor de auxilio-alimentação, em detrimento do salário, para evadir tributos.

4.6) Domicílio eletrônico e desburocratização
A MP prevê a criação do Domicílio Eletrônico, contemplando a hipótese de apresentação de documentos em meio eletrônico, já proposta pelo relator da MP 881, mas suprimido na tramitação da matéria.
O Domicílio Eletrônico, já adotado pela SRFG, permitirá cientificar o empregador de quaisquer atos administrativos, ações fiscais, intimações e avisos em geral; e receber, por parte do empregador, documentação eletrônica exigida no curso das ações fiscais ou apresentação de defesa e recurso no âmbito de processos administrativos. A utilização do sistema de comunicação eletrônica previsto no caput é obrigatória para todos os empregadores, conforme estabelecido em ato da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, garantidos prazos diferenciados para as microempresas e as empresas de pequeno porte.
O auto de infração será lavrado no curso da ação fiscal, preferencialmente em meio eletrônico, e registrado pelo órgão fiscalizador, de modo a assegurar o controle de seu processamento.
Além disso, incorpora à CLT princípios de desburocratização, de forma a impedir a exigência de comprovações já de posse da Administração. As ações de inspeção, exceto se houver disposição legal em contrário, que necessitem de atestados, certidões ou outros documentos comprobatórios do cumprimento de obrigações trabalhistas que constem em base de dados oficial da Administração Pública federal deverão obtê-los diretamente nas bases geridas pela entidade responsável e não poderão exigi-los do empregador ou do empregado. Trata-se de norma que já vigora, porém na forma de decreto.
Por fim, fica dispensado o reconhecimento de firma e a autenticação de cópia dos documentos expedidos no País e destinados a compor prova junto a órgãos e entidades do Poder Executivo federal, exceto se existir dúvida fundamentada quanto à sua autenticidade.
Trata-se da incorporação à CLT da norma geral de desburocratização já contida na Lei 13.726, de 8 de outubro de 2018.

4.7) Carf trabalhista
Retomando proposta do relator da MP 881, não apreciada, a MP 905 estende o “modelo Carf” para os recursos sobre penalidades na esfera trabalhista, que já vinha sendo examinado no governo Temer.
Assim, a decisão de recursos em 2ª e última instância administrativa poderá valer-se de conselho recursal paritário, tripartite, integrante da estrutura da Secretaria de Trabalho da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, composto por representantes dos trabalhadores, dos empregadores e dos auditores fiscais do Trabalho, designados pelo secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, na forma e nos prazos estabelecidos em regulamento.
A proposta, não obstante haja situação análoga na Receita Federal – cuja integridade foi posta em xeque em função de graves escândalos, objeto de CPI no Congresso Nacional – cria margem a que haja maior politização das decisões, enfraquecendo o poder da Administração pública.
Ainda que se possa admitir a tese de que os recursos devem ser julgados de forma colegiada e não monocraticamente, não é recomendável que o Poder do Estado nessa matéria seja compartilhado em instância corporativa, pois se trata, como ocorre na magistratura, de decidir sobre a aplicação da lei e não de conveniência ou discricionariedade administrativa.

4.8) Atualização de dívidas trabalhistas
A MP 905 altera a CLT e a Lei 8.177, para dispor sobre critérios de atualização de dívidas trabalhistas em decorrência de decisões judiciais.
Primeiramente, fixa o IPCA-E como critério de atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial.
E fixa como critério de correção da dívida não paga pelo executado os juros da caderneta de poupança, superando lacuna da CLT.
Contudo, o art. 39 da Lei 8.177/91 prevê que os débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos feitos em reclamatória trabalhista, quando não cumpridos nas condições homologadas ou constantes do termo de conciliação, serão acrescidos de juros de 1% ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação. Assim, haverá redução de 50% nesses juros.
Estimativas apontam que a medida visa permitir que o governo economize cerca de R$ 37 bilhões em dívidas trabalhistas de empresas estatais, mas beneficiaria também empresas privadas em condenações judiciais.
Dados do governo mostram que somente em 2018, foram pagos R$ 30,2 bilhões na Justiça do Trabalho. Ainda há estoque de R$ 124,4 bilhões com prazo médio de pagamento em 4 anos. A mudança proposta reduziria esse passivo para R$ 26,9 bilhões no mesmo período, em detrimento do direito dos trabalhadores. Fixa como critério de correção da dívida não paga pelo executado os juros da caderneta de poupança, superando lacuna da CLT.
O STF já se pronunciou nas ações diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 4.357 e 4.425, quando considerou inconstitucional a expressão que estabelece o índice da caderneta de poupança como taxa de correção monetária dos precatórios, por se ter entendido que ele não é suficiente para recompor as perdas inflacionárias:
“[…] Impossibilidade jurídica da utilização do índice de remuneração da caderneta de poupança como critério de correção monetária. Violação ao direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII). Inadequação manifesta entre meios e fins. Inconstitucionalidade da utilização do rendimento da caderneta de poupança como índice definidor dos juros moratórios dos créditos inscritos em precatórios, quando oriundos de relações jurídico-tributárias. (…)5. O direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) resta violado nas hipóteses em que a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios perfaz-se segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança, na medida em que este referencial é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. É que a inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período).(…)” (STF, Pleno, ADI 4.357/DF, Rel. p/ Ac. Min. Luiz Fux, DJe 26.09.2014).
Haverá, assim, grave perda para os trabalhadores, sob o argumento de que o aumento dos passivos trabalhistas, notadamente em empresas estatais, é insustentável, especialmente em face da redução das taxas de juros, com a redução da Selic para 5% ao ano.

4.9) Seguro Desemprego
A MP 905 altera a Lei do Seguro Desemprego para submeter o benefício do seguro-desemprego à contribuição previdenciária, tornando o trabalhador em gozo do benefício “contribuinte obrigatório” enquanto perceber o benefício.
Altera, ainda, as leis 8.212 e 8.213, ambas de 1991, para incluir o beneficiário nessa categoria de segurados, e dispor sobre a contribuição por ele devida e contagem de tempo para a aposentadoria. Estabelece a retenção da contribuição sobre o pagamento do SD, a cargo da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.
Atualmente, o tempo de gozo do SD não é computado para a aposentadoria, embora seja mantida a condição de segurado durante o seu gozo. Se o trabalhador quiser contar o tempo, deve contribuir como contribuinte individual pelo período de gozo do benefício.
Todavia, ao tornar obrigatório o recolhimento, o governo deixa o segurado sem opção.
Além da redução da renda de quem já está em situação de desvantagem, pois não recebe salário, mas prestação social, a medida desnatura o caráter dessa renda provisória, submetendo-a a uma tributação indevida à luz da própria Constituição.
Situação equivalente seria taxar o aposentado, o beneficiário do BPC e os que recebem o Programa Bolsa Família, revelando sanha arrecadatória que não se coaduna com a situação de vulnerabilidade desses cidadãos.
Note-se que o governo estima que haveria a arrecadação de R$ 1,92 bilhão, em 2020; R$ 2,39 bilhões, em 2021; e R$ 2,48 bilhões, em 2022. Esse montante foi considerado para fins de compensação da renúncia fiscal da “Carteira Verde e Amarela”, numa clara confusão de situações que não são “compensáveis”.
Ademais, a relação do beneficiário do seguro desemprego com o RGPS, situação em que mantém a condição de segurado, não pode ser “travestida” em situação de ocupação profissional, de forma compulsória, admitindo-se, quando muito, a contribuição ao RGPS na condição de contribuinte facultativo.
Portanto, a proposta tira de trabalhadores em situação de necessidade, parcela de sua renda, para financiar programa que, a pretexto de gerar empregos, beneficia o empregador com redução do custo da mão de obra.

4.10) Auxilio-acidente
A MP 905 altera regras sobre o direito ao auxílio-acidente previdenciário.
Remete ao regulamento dispor sobre as situações a serem consideradas para fins de gozo do auxílio-acidente, vinculadas a redução da capacidade para o trabalho. A MP permite ao órgão especificar as sequelas que darão jus ao auxílio-acidente.
Não está clara a razão de tal alteração, a não ser dar espaço a regulamentação restritiva que permita dispor sobre a cessação do benefício em caso de “reabilitação”.
Trata-se de medida inoportuna, ainda mais em face da recente promulgação da EC 103/19, que trata da Reforma da Previdência, que demandará cuidadoso exame de suas implicações para que o seu regulamento não agrave ainda mais a situação do trabalhador.
A alteração ao § 1º do art. 86 da Lei 8.213 sugere a relativização do direito ao auxílio-acidente, de modo a ser suspenso ou extinto em caso de reabilitação profissional ou for superada incapacidade para o trabalho.
Atualmente, o benefício é devido até que o trabalhador se aposente ou até o óbito.
Contudo, uma vez aposentado por invalidez, já existe a previsão legal de reabilitação profissional.
Apesar do caráter “técnico” que a norma prevê, casos análogos têm demonstrado apenas o critério restritivo dessa espécie de regulamento, gerando judicialização.

4.11) Corretores de seguros
A MP 905 revoga integralmente a regulamentação da profissão de corretor de seguros e as normas do Decreto-Lei relativas ao corretor de seguros.
Segundo a EM 352/19, “o setor de seguros privados no Brasil, excluindo saúde, movimenta cerca de R$ 260 bilhões em prêmios, possui R$ 1,09 trilhão em reservas e emprega em torno de 152 mil pessoas diretamente e mais de 60 mil corretores de seguros se considerados pessoas físicas e jurídicas”.
Além disso, tem volume de reservas equivalente a 15% do PIB, em 2018.
Dessa forma conclui que “a maturidade dos profissionais de seguro, que evoluíram ao longo do tempo tanto em quantidade de profissionais, quanto na qualidade da formação técnica e profissional, mostra a necessidade de novo marco regulatório para estes profissionais, mais moderno e condizente com a dinâmica do mercado no qual atuam”, por isso, “a proposta tem o intuito de flexibilizar a atividade de intermediação, angariação e promoção dos contratos de seguro. Para tanto, desregulamenta-se a atividade, não cabendo mais ao Conselho Nacional de Seguros Privados disciplinar a corretagem de seguros e a profissão de corretor e se retirando a obrigatoriedade de prévia habilitação e registro para se exercer a atividade de corretor. O consumidor, que ainda estará protegido pelo Código de Defesa do Consumidor, será beneficiado com a maior abertura de mercado e ampliação da concorrência, tendo como possível consequência a diminuição no valor final do prêmio de seguros.”
Trata-se de argumentos pobres, e que, ao contrário do exposto, demandariam regulação profissional ainda mais aperfeiçoada e condizente com a importância da atividade, e não a sua desregulamentação. Trata-se, com efeito, de mais uma medida flexibilizadora, pró-mercado, e voltada a “uberização” da atividade, em favor das novas empresas que vem surgindo na esteira das “fintechs”.
Em face de todas essas considerações, a MP 905 demandará esforços para que sejam expurgados excessos e corrigidos os aspectos apontados, o que exigirá grande número de emendas e amplo esforço de convencimento perante os membros da comissão mista a ser instalada no âmbito do Congresso Nacional.

Em 13 de novembro de 2019.
Luiz Alberto dos Santos - Consultor legislativo do Senado. Advogado. É membro do corpo técnico do Diap

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