Como a reforma trabalhista de Temer pode aumentar a sua carga horária
*Por
André Campos
A reforma trabalhista do governo Temer pode
elevar de modo significativo a jornada de trabalho dos brasileiros, além de
gerar outras mudanças importantes na vida dos trabalhadores. Essa é a
primeira de uma série de matérias em que a Repórter Brasil explica as
principais mudanças propostas pelo governo, e como elas podem impactar o cotidiano dos trabalhadores.
O
assunto é tratado como urgente. Nesta quinta-feira 9, foi instalada a comissão
especial responsável por tratar do caso. Enviada ao Congresso dois dias antes
do Natal, a votação da reforma pode ocorrer dias ou semanas depois do
recesso. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) é o
maior defensor de que a proposta seja apreciada em regime de urgência.
Além
da carga horária, outras mudanças em vista são a forma de remuneração, o
parcelamento das férias e o trabalho em home office. Esses aspectos
poderão ser negociados diretamente entre sindicatos e empresas, de acordo
com o projeto de lei 6.787/2016, que contém os principais pontos da reforma.
Além disso, a proposta facilita a criação vagas temporárias e em tempo parcial,
que dão menos direitos aos funcionários e podem tomar o lugar dos empregos
tradicionais.
Muitas
dúvidas ainda pairam sobre a reforma. Juristas e advogados questionam a
legalidade de medidas contidas na proposta, potencialmente contrárias a
princípios básicos da Constituição. Como por exemplo a jornada máxima de 44
horas semanais e a garantia do salário mínimo.
O
Ministério Público do Trabalho afirma que o projeto é inconstitucional e defende a sua
rejeição por completo. Se aprovadas, segundo previsão do órgão, as medidas
podem gerar insegurança jurídica e muita confusão nos tribunais.
Se
já estivesse valendo em janeiro de 2017, o projeto do governo Temer abriria uma
brecha para 28 horas de serviço acima da jornada normal do mês. Seria o
equivalente a sete horas extras por semana, nas quatro semanas cheias do mês.
Em
outros meses, com mais feriados e menos dias úteis, o estrago poderia ser ainda
maior. A jornada normal máxima em abril de 2017, de acordo com as regras
atuais, é de 164 horas. Já para cumprir a jornada máxima prevista por Temer sem
ter que que trabalhar nos feriados, seriam necessárias 11h36 por dia, de segunda
à sexta, durante as quatro semanas daquele mês.
Ainda
há muitas incertezas sobre essas mudanças, devido às contradições entre o texto
constitucional e o da nova lei. Além disso, a Constituição fala em horas
trabalhadas por dias e semanas, enquanto o da nova lei trata de horas por mês.
Por isso, por enquanto, só é possível fazer estimativas.
A
Constituição limita a duração da jornada a oito horas diárias e 44 semanais – o
que significa, no máximo, 2.296 horas anuais. São permitidas, além disso, até
duas horas extras por dia, desde que em caráter eventual.
Com
a reforma, acordos entre sindicatos e empregadores passam a ter força de
lei para negociar jornadas de até 220 horas mensais – o que significa 2.640
horas por ano. Isso significa até 344 horas a mais de horas trabalhadas
por ano.
O
projeto de lei também relativiza o limite máximo de 10 horas de trabalho por
dia: as oito horas normais acrescidas de duas horas extras. Acordos coletivos
estabelecendo jornadas de até 24 horas ininterruptas, que foram invalidados
pela Justiça do Trabalho no passado, tenderiam a ganhar respaldo jurídico.
Além
disso, não está claro se há margem para jornadas que superam o limite de 220
horas mensais, com as horas excedentes sendo computadas como horas extras. “O
projeto de lei permite esse entendimento”, avalia Guilherme Feliciano,
vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).
Seria uma situação semelhante à do Japão, onde as horas extras podem ser
estendidas sem limites e o excesso de trabalho gera números alarmantes de
suicídios e mortes por exaustão.
Por
fim, o controle das horas trabalhadas é outro aspecto que tende a ser
impactado, pois a forma como ele é feito passaria a ser objeto de negociação
entre empregadores e sindicatos [atualmente, os critérios para o registro
eletrônico de ponto são regulados por uma portaria do Ministério do Trabalho].
Segundo Feliciano, isso contribuirá para a adoção de sistemas não confiáveis de
registro.
Mesmo
sem a autonomia que o projeto lhes confere, diversos acordos entre patrões e
sindicatos já são questionados nos tribunais por prejudicarem os trabalhadores.
Até mesmo denúncias de corrupção pairam sobre eles. “A realidade sindical
brasileira é marcada pela presença, lado a lado, de sindicatos sérios,
combativos e dotados de grande representatividade e de sindicatos com pouca ou
nenhuma legitimidade”, avalia o procurador geral do Trabalho, Ronaldo Fleury,
em nota técnica sobre a reforma trabalhista. “São geridos por um pequeno grupo
de pessoas que os exploram como se a entidade fosse seu patrimônio pessoal”.
*Reportagem
publicada originalmente na Repórter Brasil