Apagão de empregos é o grande desafio político
Por Edney Cielici Dias
É tragicamente comum analistas caracterizarem este começo de século como uma era de distopia, ou seja, de ausência de utopia, de desespero, de privação. Paralelamente às radicalizações, ao empobrecimento da política, à negação do pluralismo como valor, encontra-se o estreitamento dramático das possibilidades de participação do ser humano na produção social.
O problema do emprego é um drama do presente que tende a se acentuar nos próximos anos. Trata-se de uma questão com contornos particularmente dramáticos no Brasil, que já convive com patamares altos de desocupação e baixa capacitação de seus trabalhadores.
A atual recuperação da taxa de desemprego é discreta. Os números do último trimestre de 2018 mostram 12,2 milhões de pessoas em busca de oportunidades de trabalho, numa incômoda estabilidade com relação ao mesmo período de 2017, segundo o IBGE.
A informalidade, indicador da baixa qualidade da inserção no mercado de trabalho, alcançou níveis recordes. Paralelamente à queda do número de carteiras assinadas, os trabalhadores por conta própria chegaram ao maior patamar, superando 1/4 da população ocupada no país.
Os indicadores de futuro são, no entanto, mais sombrios. A Folha de S.Paulo trouxe na última semana estimativa da Universidade de Brasília de que 54% dos empregos formais do país estão ameaçados pela informatização/robotização, o que poderia significar o fechamento de 30 milhões de postos de trabalho até 2026.
Estudos dão conta desse problema em nível global. Os avanços tecnológicos ameaçariam 47% de empregos nos Estados Unidos, 57% no bloco de países da OCDE e 77% na China. Essas mudanças, vale frisar, tendem a tornar precárias as condições dos postos de trabalho remanescentes.
Importa aqui menos o detalhamento das metodologias desses estudos e mais a sinalização de que marchamos para um problema estrutural do trabalho, a ameaçar o sustento e a dignidade de grande parte da população do planeta.
O discurso econômico dominante impõe uma espécie de lavagem cerebral em que temas espinhosos como esse não encontram espaço. É por demais evidente que o “mercado” por si só não dará conta de suprir os empregos necessários à coesão social.
O messianismo liberal é, ao mesmo tempo, pueril, cínico e irresponsável. Paradoxalmente, a defesa da sustentabilidade do trabalho não se encontra devidamente abraçada pela esquerda como um todo, uma bandeira historicamente ligada a ela.
Há cem anos, foi criada a Organização Internacional do Trabalho, organismo associado aos consensos e avanços de justiça social. A grande pauta desenvolvida ao longo do século 20 foi a das políticas de proteção aos desempregados e desvalidos.
Passado 1 século, esse grande contrato social precisa ser revisto em face dos novos desafios que impõem. A questão não se resume mais à proteção social, mas sobretudo às decisões do que produzir e como produzir. É necessário propiciar uma transição produtiva eficaz e sustentável.
Não se trata, de forma alguma, de barrar o avanço tecnológico, mas de mediar a forma como ele se dará. Isso passa necessariamente por mesas de negociação e os governos têm de ser capazes de organizá-las e sinalizar as diretrizes. Acordos multisetoriais na Alemanha, na Espanha, no Reino Unido e na França estabeleceram as políticas da chamada indústria 4.0.
A informatização, a robotização, as formas de ocupação do território não ocorrem por meio de uma força autônoma e inexorável. Elas são produto das decisões e omissões políticas. Postos de trabalho são bens escassos e cabe à sociedade como um todo lutar por eles. As forças políticas têm de se aparelhar para esse debate complexo, de forma a construir proposições factíveis.
No Brasil, vivenciamos uma série de tragédias anunciadas. Não parece exagero afirmar que o apagão de empregos pode se desenhar como a pior delas.
Edney Cielici Dias é economista, doutor e mestre em Ciência Política pela USP.