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Mito e falácia: argumentos dos defensores da reforma trabalhista são insustentáveis

Mito e falácia: argumentos dos defensores da reforma trabalhista são insustentáveis Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e da Economia do Trabalho, ambos da Unicamp

Para baixar o volume de reclamações trabalhistas é preciso baixar a rotatividade. E para se criar empregos é preciso promover crescimento sustentado. A tentativa de corte de direitos não passa de oportunismo.

  Por Marcio Pochmann

Os direitos do trabalho e também os de propriedade constituem construções herdadas e aperfeiçoadas ao longo do tempo por meio de inúmeras atualizações legislativas e contratuais no Brasil. Por conta disso, os argumentos atualmente disparados contra a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) por ser ainda dos anos de 1940, supostamente comprometer a geração de empregos e difundir burocracia e custos nas reclamações na Justiça trabalhista não se justificam, salvo como mito do pensamento conservador ou como falácia da cantilena neoliberal.
Toma-se como referência, o direito de propriedade que consagrado na antiguíssima Constituição monárquica de 1824 pelo imperador dom Pedro I tinha como herança o regime português das sesmarias. A sua prevalência inédita até o ano de 1850 somente foi reformulada com a Lei das Terras que atualizou a marca de propriedade instalada por Pedro Alvares Cabral.
Com o passar dos anos, a condição de poder absoluto, perpétuo e exclusivo do seu titular estabelecido pelo direito de propriedade privada imperial evoluiu, no regime republicano, para a sua identidade associada ao interesse coletivo e portador de papel social e econômico inegável. Por conta disso, o direito de propriedade privada no Brasil não justificaria ser questionado atualmente por ter sido instalado no passado distante, mas, possivelmente, pelo obstáculo desfavorável imposto ao avanço da economia e da sociedade decorrente da não aplicação da Constituição Federal.
No caso dos direitos do trabalho transcorre o mesmo, porém no sentido inverso. Ou seja, a defesa de sua desconstituição pelo pensamento liberal-conservador nada tem de moderno, uma vez que a desregulação do mercado de trabalho generaliza a condição do precariado a todos os trabalhadores por meio da imposição da terceirização e do chamado “negociado sobre o legislado”.
A omissão da história dos direitos tanto do trabalho como da propriedade privada no Brasil generaliza a superficialidade nos argumentos de natureza falaciosa e promotores de mitos inverídicos. Isso porque esses dois direitos vêm sendo aprimorados ao longo do tempo, como os do trabalho instalados pelo Código Comercial (1850) que introduziu a indenização por acidente no trabalho, a dispensa do empregado e aviso prévio na rescisão contratual e outras regras ao assalariamento em plena escravatura.
Com a transição para o capitalismo, os direitos do trabalho foram sendo ampliados em conformidade com o protagonismo dos trabalhadores enquanto sujeitos ativos na sociedade por meio de muitas lutas em torno de suas reivindicações. Até a Revolução de 1930, por exemplo, os direitos do trabalho foram sendo construídos gradual, lenta, dispersa e fragmentadamente como nos casos da aposentadoria em 1888 (Caixa de Socorro aos empregados das ferrovias), das férias remuneradas em 1890 (2 semanas para servidores), das regras do trabalho infantil de 1891 e do acidente de trabalho (Código Civil de 1916), entre tantos outros.
A sintetização e racionalização do conjunto de quase duas dezenas de milhares de leis e contratos existentes foram realizadas em 1943 com a CLT. E de lá para cá, cada vez mais o código do trabalho foi sendo aperfeiçoado em conformidade com a correlação de forças dos trabalhadores.
Neste momento de gravíssima recessão, quando o país encontra-se sem rumo e horizonte decente, a ladainha contra os direitos do trabalho cresce na difusão de falácias e mitos pós-verdade na marcha do pensamento único liberal-conservador. Demonstração disso está no falso argumento das reclamações trabalhistas “exageradas” e do mito de custos adicionais ao empregador pela Justiça do Trabalho.
Num país que em 2013 registrou 26,5 milhões de contratos desligados no mercado formal de trabalho (que responde por 51% do total das ocupações), a existência de 3 milhões de reclamações trabalhistas é relativamente baixa. Apenas um em cada dez desligados no mercado formal de trabalho procurou a Justiça do Trabalho, o que é realmente pouco, a menos que se considere que os direitos do trabalho são respeitados plenamente, especialmente nas rescisões contratuais.
Do contrário, parece se confundir propositadamente causa com consequência. O problema é a alta rotatividade no trabalho (demissão, em geral, de empregado com salário maior por outro de menor valor) que alcança quase 64% do mercado formal de trabalho. Reduzindo-se a taxa de rotatividade para parâmetros dos Estados Unidos, por exemplo, as reclamações na Justiça do Trabalho poderiam cair de 3 milhões para menos de 900 mil no Brasil.
O desemprego será reduzido no Brasil por força da promoção do crescimento econômico sustentado, não pelo corte dos direitos do trabalho.

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